João Cabral de Melo Neto (1920-1999) nasceu em Recife e é considerado um dos maiores poetas da Geração de 45, assim chamada por rejeitar os “excessos do modernismo” para elaborar uma poesia de rigor formal, construindo uma expressão poética mais disciplinada.

Desde cedo mostrou interesse pela palavra, pela literatura de cordel e almejava ser crítico literário.

Conviveu com Manuel Bandeira e Gilberto Freyre, que eram seus primos.

Com apenas o curso secundário mudou-se para o Rio de Janeiro e ingressou no funcionalismo público.

Três anos depois, através de concurso, mudou-se para o Itamarati, ocupando cargos diplomáticos e morando em várias cidades do mundo, como Londres, Sevilha, Barcelona, Marselha, Berna, Genebra.

Apesar de ser cronologicamente um poeta da Geração de 45, João Cabral seguiu um caminho próprio, recuperando certos traços da poesia de Drummond e Murilo Mendes, como a poesia substantiva e a precisão dos vocábulos, produzindo uma poesia de caráter objetivo numa linguagem sem sentimentalismo e rompendo com a definição de “poesia profunda” utilizada até então.

Para o poeta, “a poesia não é fruto de inspiração em razão do sentimento”, mas de transpiração: “fruto do trabalho paciente e lúcido do poeta”.

A primeira obra de João Cabral, Pedra do sono (1945) apresenta uma declinação para a objetividade e imagem surrealista. Já em O engenheiro (1945), percebe-se que o poeta se afasta da linha surrealista, pendendo para a geometrização e exatidão da linguagem, como se ele próprio fosse o engenheiro, economizando as palavras (o material com se constrói) e a objetivação do poema (o propósito do uso do material – a construção terminada).

Nas suas principais obras, como O cão sem plumas (1950),

O rio (1954), Quaderna (1960), Morte e vida severina (1965),

A educação da pedra (1966), Museu de tudo (1975),

A escola das facas (1980), Poesia crítica (1982),

Agrestes (1985) e Andando em Sevilha (1990),

o poeta revela uma preocupação com a realidade social, principalmente com a do Nordeste Brasileiro;

reflete constantemente sobre a criação artística

(Catar feijão – poema);

aprimora a poética da linguagem objeto, definida como a linguagem que, pela própria construção, sugere de que assunto aborda (Tecendo a manhã – poema).

Essa característica de sua obra constitui a principal referência do Movimento Concretista da década de 50 e 60 e de vários poetas contemporâneos, como Arnaldo Antunes.

Morte e vida severina (Auto de natal pernambucano) é a obra mais popular de João Cabral.

Nela, o poeta mantém a tradição dos autos medievais, fazendo uso da musicalidade, do ritmo e das redondilhas, recursos que agradam o povo.

Ela foi encenada pela primeira vez em 1966 no Teatro da PUC em São Paulo, com música de Chico Buarque.

Foi premiada no Brasil e na França e, a partir daí, vem sendo encenada diversas vezes e até adaptada para a televisão.

O poema narra à caminhada do retirante Severino, desde o sertão até sua chegada em Recife e, além das denúncias de certos problemas sociais do Nordeste, constitui uma reflexão sobre a condição humana.

João Cabral é considerado pelos críticos “não apenas um dos maiores poetas sociais, mas um renovador consistente, instigante e original da dicção poética antes, durante e depois dele”.

Ele e Graciliano Ramos possuem o mesmo grau ético e artístico, um na poesia, o outro na prosa, que objetiva com precisão uma prática poética comum: deram à paisagem nordestina, com suas diferenças sociais, uma das dimensões estéticas mais fortes, cruéis e indiscutíveis que já se conheceu.

Tecendo a Manhã

Um galo sozinho não tece uma manhã:
ele precisará sempre de outros galos.
De um que apanhe esse grito que ele
e o lance a outro; de um outro galo
que apanhe o grito de um galo antes
e o lance a outro; e de outros galos
que com muitos outros galos se cruzem
os fios de sol de seus gritos de galo,
para que a manhã, desde uma teia tênue,
se vá tecendo, entre todos os galos.

E se encorpando em tela, entre todos,
se erguendo tenda, onde entrem todos,
se entretendendo para todos, no toldo
(a manhã) que plana livre de armação.
A manhã, toldo de um tecido tão aéreo
que, tecido, se eleva por si: luz balão.

 Catar feijão

Catar feijão se limita com escrever:
joga-se os grãos na água do alguidar
e as palavras na folha de papel;
e depois, joga-se fora o que boiar.
Certo, toda palavra boiará no papel,
água congelada, por chumbo seu verbo:
pois para catar esse feijão, soprar nele,
e jogar fora o leve e oco, palha e eco.

 

Ora, nesse catar feijão entra um risco:
o de que entre os grãos pesados entre
um grão qualquer, pedra ou indigesto,
um grão imastigável, de quebrar dente.
Certo não, quando ao catar palavras:
a pedra dá à frase seu grão mais vivo:
obstrui a leitura fluviante, flutual,
açula a atenção, isca-a como o risco.

Fontes

  • http://www.revistabula.com/449-os-10-melhores-poemas-de-joao-cabral-de-melo-neto/
  • http://www.infoescola.com/escritores/joao-cabral-de-melo-neto/
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