Foucault, História da Loucura e a Reforma Psiquiátrica

Introdução

Apresentação pautada no artigo de Torre & Amarante, que discute a contribuição de Michel Foucault para a compreensão da loucura, do poder psiquiátrico e das transformações no campo da saúde mental.

A obra História da Loucura é tomada como referência central para abordar:

  • a constituição social da loucura
  • a crítica ao cientificismo
  • os impactos para a Reforma Psiquiátrica.

Foucault e a produção da obra

Conforme Foucault, a loucura não é um dado natural, mas um construto histórico, atravessado por práticas de exclusão, enclausuramento e medicalização.

“a contribuição foucaultiana, ao trazer à luz a historicidade da loucura, rompe com a ideia de doença como essência, mostrando-a como produto de relações de poder e saber” (Torre & Amarante.)

Foucault desnaturaliza o discurso médico-científico, mostrando que a psiquiatria não apenas descobre a verdade da loucura, mas também a produz e a organiza em classificações.

Crítica ao cientificismo e ao poder psiquiátrico

Crítica ao cientificismo e ao poder psiquiátrico

Como ele afirma:

“Assim se estabelece a função muito curiosa do hospital psiquiátrico do século XIX: lugar de diagnóstico e classificação, retângulo botânico onde as espécies de doenças são divididas em compartimentos cuja disposição lembra uma vasta horta. Mas também espaço fechado para um confronto, lugar de uma disputa, campo institucional onde se trata de vitória e submissão” (Foucault, 1979, p. 122).

Segundo Torre & Amarante, essa crítica é fundamental para compreender a fragilidade da psiquiatria enquanto ciência e seu enraizamento nas práticas sociais e políticas de controle (Torre & Amarante, p. xx).

Crítica ao cientificismo e ao poder psiquiátrico

Exclusão, internamento e disciplina

Desde o Grande Enclausuramento até o século XIX, a loucura passa a ser tratada como problema de conduta, normalidade e disciplina.

“A prática do internamento, no começo do século XIX, coincide com o momento no qual a loucura é percebida menos em relação ao erro do que em relação à conduta regular e normal; no qual ela aparece não mais como julgamento perturbado, mas como perturbação na maneira de agir, de querer, de ter paixões, de tomar decisões e de ser livre” (Foucault, 1997, p. 48).

A figura do médico e o poder disciplinar

O hospital psiquiátrico confere ao médico o papel de autoridade máxima sobre a loucura:

“Todas as técnicas ou procedimentos efetuados no asilo do século XIX [...] tinham por função fazer do personagem do médico o ‘mestre da loucura’; aquele que a faz se manifestar em sua verdade quando ela se esconde, quando permanece soterrada e silenciosa, e aquele que a domina, a acalma e a absorve depois de a ter sabiamente desencadeado” (Foucault, 1979, p. 122).

Torre & Amarante observam que este lugar central do médico na cena asilar “marca profundamente o imaginário social da loucura, reforçando o estigma e a exclusão” .

A figura do médico e o poder disciplinar

Antipsiquiatria e desmedicalização

A crítica foucaultiana prepara o terreno para a antipsiquiatria:

“Ora, o que estava implicado, antes de tudo, nessas relações de poder, era o direito absoluto da não-loucura sobre a loucura. [...] É esse ciclo que a antipsiquiatria se propõe a desfazer [...] invalidando, enfim, a grande retranscrição da loucura na doença mental, que havia sido empreendida desde o século XVII e concluída no século XIX. A desmedicalização da loucura é correlativa desse questionamento primordial do poder na prática antipsiquiátrica” (Foucault, 1997, p. 56).

Conforme Torre & Amarante, é neste ponto que a obra de Foucault se conecta às lutas sociais do século XX, alimentando a Reforma Psiquiátrica e os movimentos antimanicomiais.

Antipsiquiatria e desmedicalização

História, sujeito e modernidade

O percurso histórico permite compreender como a sociedade moderna se constituiu pela exclusão da diferença e pela organização de saberes/poderes que moldaram a noção de sujeito.

A loucura, de experiência existencial e social, passa a ser inscrita como objeto médico.

Conexões com a Reforma Psiquiátrica

De acordo com Torre & Amarante, a leitura de Foucault fortalece o questionamento às práticas de exclusão e legitima as propostas de desinstitucionalização.

A Reforma Psiquiátrica brasileira, influenciada pelas experiências da Itália, encontrou em Foucault ferramentas para pensar a loucura como experiência social e para propor novos lugares de cidadania para os sujeitos.

Foucault mostrou que a loucura não é essência, mas resultado de práticas históricas.

Sua crítica abriu espaço para repensar a saúde mental como campo social e político.

Contribuições críticas e atuais

Torre & Amarante ressaltam que a Reforma Psiquiátrica deve ser entendida não apenas como uma mudança técnico-assistencial, mas como transformação cultural e política.

A Reforma Psiquiátrica no Brasil, inspirada em Basaglia e influenciada pelo pensamento foucaultiano, defende a substituição do modelo manicomial por uma rede comunitária de cuidado.

Contribuições críticas e atuais

“Os homens são tão necessariamente loucos que não ser louco seria ser louco de um outro giro de loucura” (Foucault, 1999, p. 140).

Referências

Torre, E. H. G., & Amarante, P. (2012). Michel Foucault e a "História da Loucura": 50 anos transformando a história da psiquiatria/ Michel Foucault and the "History of Madness": 50 years changing the history of psychiatry. Cadernos Brasileiros De Saúde Mental Brazilian Journal of Mental Health, 3(6), 41–64. https://doi.org/10.5007/cbsm.v3i6.68499

Foucault, M. (1999). História da loucura na Idade Clássica (9. ed.). São Paulo: Perspectiva.

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