Ficção científica em uma perspectiva cristã: a Trilogia Cósmica de C.S.Lewis
Ricardo Jurczyk Pinheiro
Primeiro, o que é
Ficção Científica?
“Ficção científica é como pornografia: não sabemos o que é com certeza, até que vemos uma.”
Segundo a Wikipédia...
Gênero da ficção especulativa que lida com conceitos ficcionais e imaginativos relacionados ao futuro, ciência e tecnologia, e seus impactos e/ou consequências em uma sociedade ou em seus indivíduos.
Conhecida também como a "literatura das ideias", evita utilizar-se do sobrenatural (isto é fantasia), baseando-se em fatos científicos e reais para compor enredos ficcionais.
A diferença entre ficção científica e fantasia
Fantasia é o impossível tornado provável. Ficção científica é o improvável tornado possível.
Mas como surgiu a ficção científica?
Proto ficção científica
- História verdadeira, de Luciano de Samósata, escrita no século II.
-
Alguns contos de As Mil e Uma Noites, do século IX.
-
Conto do Cortador de Bambu (Princesa Kaguya), do século X.
-
Conto do Teólogo Autodidata, de Ibn al-Nafis, do século XIII.
Iluminismo (século XVII)
Francis Bacon - The New Atlantis (1627).
Cyrano de Bergerac - Comical History of the States and Empires of the Moon (1657) e The States and Empires of the Sun (1662).
Johannes Kepler - Somnium (1634)
Margaret Cavendish (Duquesa de Newcastle-upon-Tyne) - The Blazing World (1666).
Século XIX
Mary Shelley – Frankenstein (1818) e O Último Homem (1826) – lançou as bases para o que seriam os livros de ficção científica do século XIX.
Jules Verne
- Cinco Semanas em um Balão (1862)
- Viagem ao Centro da Terra (1864)
- Da Terra à Lua (1865)
- A Volta da Lua (1869)
- Vinte Mil Léguas Submarinas (1870)
- A Volta ao Mundo em Oitenta Dias (1873)
- A Ilha Misteriosa (1873 a 1875)
- Miguel Strogoff, o correio do czar (1876).
- Entre muitos e muitos outros.
Popularizou a ficção científica e a
literatura de aventura.
H. G. Wells
- A Máquina do Tempo (1895);
- A Ilha do Doutor Moureau (1896);
- O Homem Invisível (1897);
- A Guerra dos Mundos (1898).
- Entre outros.
Popularização do termo
romance científico.
América Latina
Joaquim Felício dos Santos - Páginas da história do Brasil, escritas no ano 2000 (1868 a 1872).
Augusto Emílio Zaluar – O Doutor Benignus (1875).
Eduardo Holmberg (Argentina) - El maravilloso viaje del Señor Nic-Nac.
Francisco Calcagno (Cuba) - Historia de un Muerto.
Século XX
Literatura pulp: Revistas de contos.
Edgar Rice Burroughs
Philip Francis Nowlan
John Carter de Marte
Buck Rogers
Revistas pulp de ficção científica
Amazing Stories (1926) - A primeira revista pulp de ficção científica.
Astounding Stories (1930) - publicada até hoje!
Fanzine Science Fiction: The Advance Guard of Future Civilization (1933) - onde o Superman surgiu pela primeira vez.
Alguns dos autores revelados pela Astounding
Stories são:
- Isaac Asimov
- Arthur C. Clarke
- Robert A. Heinlein
- L. Ron Hubbard
- Orson Scott Card
- Harlan Ellison
- Timothy Zahn
- Judith Merril
- Olaf Stapledon
- A. E. van Vogt
Nesse mesmo período, surgiram autores como:
- Ray Bradbury
- Stanislaw Lem
- Yevgeny Zamyatin
O que é e o que não é ficção científica?
Fantasia espacial
Distopia
Ficção científica hard
História alternativa
Cyberpunk
Steampunk
Dieselpunk
Imperio galáctico
Afrofuturismo
Ficção científica soft
Invasão alienígena
Mundo perdido
Fantasia científica
Ópera espacial
São cerca de 45 subgêneros!
Incluindo o nosso assunto da noite, que é a
ficção científica cristã.
Como entender a ficção científica?
- Uma forma de discutir o tempo atual.
- Um modo de trazer a ciência mais perto das pessoas.
- Uma forma de transformar a sociedade.
E Star Wars... É ficção científica?
Star Wars não é ficção científica só porque tem nave e lasers na história, da mesma forma que Forrest Gump não é um filme sobre ping pong só porque ele aparece praticando esse esporte na China.
Ficção científica cristã?
- Frank Peretti
- James Blish
- Madeleine L’Engle
- Ray Bradbury
- Stephen King
- Rick Sutcliffe
- Connie Willis
- James White…
- E C. S. Lewis.
Clive Staples Lewis, ou C. S. Lewis... Ou "Jack".
O homem da noite!
Mas não, não vamos falar de Nárnia aqui. Vamos falar de livros que vieram antes de Nárnia...
A Trilogia Cósmica
- Além do Planeta Silencioso (1938)
- Perelandra (1943)
- Uma Força Medonha (1945)
Influência da ficção científica da época - H. G. Wells.
Elwin Ransom
- Personagem principal da trilogia.
- Filólogo e professor em Cambridge.
- Inspirado em J. R. R. Tolkien.
- "Ransom", em inglês, quer dizer "resgate".
- Existe um quarto livro inacabado, chamado "A Torre Negra", que continua a narrar as aventuras de Ransom.
Motivações para a redação da Trilogia Cósmica
-
Lewis se interessava por ficção científica, mas não na tecnologia empregada, ou nas reviravoltas.
-
Ele queria criar um mundo particular, onde fosse possível usar o elemento fantástico para discutir a nossa sociedade.
-
"Para construir outros mundos plausíveis, você deve se basear no único outro mundo real que conhecemos: o do espírito".
-
Ele não está preocupado em explicar a técnica por trás das viagens, mas ele as expõe como numa visão medieval.
Contexto
- "Mesmo em tempos de guerra, a atividade intelectual continua sendo um dever".
- Os Inklings entendiam que deviam manter a esperança.
- A crença num evolucionismo naturalista e aperfeiçoamento da raça humana estava fadada ao erro.
-
C. S. Lewis e J. R. R. Tolkien fizeram uma aposta sobre quem escreveria melhor um livro no estilo de H. G. Wells.
- Decidiram no cara ou coroa.
- Tolkien ficou com "viagem no tempo", mas não concluiu o livro, "The Lost Road".
- Lewis ficou com "viagem no espaço".
Algumas observações do autor.
-
A literatura não tem que ser literatortura, tem que ser divertida.
-
O bom escritor escreve sobre o que ele mesmo gostaria de ler, e não o que as pessoas querem ler. Ao agradar uma pessoa, ele desagrada duas!
-
A literatura não deve ser um tratado filosófico. Se fosse, deixaria de ser literatura e seria um tratado filosófico!
-
A literatura tem o papel principal de entreter e levar o leitor para um mundo de possibilidades.
-
A literatura não deve ser só diversão, mas o fundamento de uma imaginação moral.
Além do Planeta Silencioso
Sinopse
- Elwin Ransom é sequestrado pelo tecnocrata Devine e o físico Weston.
- Eles o levam para Malacandra (Marte) com o objetivo dele ser oferecido em sacrifício ao Oyarsa, o governante daquele mundo.
- Em Malacandra, Ransom convive com as três espécies de seres inteligentes de Malacandra.
- Ele descobre que o Oyarsa é um eldila, um dos servos de Maleldil, o único Criador.
- Os hnau de Thulcandra são capturados e lhes é permitido voltarem para Tellus, na sua nave "grosseiramente esférica", e conseguem fazer a viagem.
As três raças inteligentes de Malacandra são:
- Os Hrossa.
- Os Sorns.
- Os Pfifiltrigi.
Análise
- Malacandra é Marte: deus romano da guerra.
- Explicações simples para questões que teólogos chutam um bocado.
- A Terra se chama Thulcandra.
- Os sequestradores abandonaram a moralidade em nome do progresso.
- Não há o conceito de pecado, Malacandra é um mundo redimido e perto do seu fim.
- A palavra mais próxima para mal é "torto".
- Críticas ao transhumanismo, ao cientificismo e à eugenia.
Cientificismo: concepção filosófica que afirma que a ciência é superior a todas as outras formas de compreensão humana da realidade (como a religião), por ser a única capaz de apresentar benefícios práticos e alcançar autêntico rigor cognitivo.
Perelandra
- Ransom é levado pelo Oyarsa de Malacandra para Perelandra, a mando de Maleldil.
- Ele presencia o alvorecer daquele mundo (uma reprise do Éden), e o surgimento dos dois primeiros humanos daquele mundo, o Rei e a Dama Verde.
- Weston também viaja para Perelandra, tendo sido possuido pelo Eldil Torto.
- Ele tenta a Dama Verde, para que ela desobedeça as ordens de Maleldil.
- Ransom deve evitar que a Queda aconteça em Perelandra.
Sinopse
Análise
- Perelandra é Vênus, a deusa romana do amor.
- Referências à Divina Comédia e Paraíso Perdido.
- Crítica à busca por transcendência e imortalidade através da ciência.
- Alguns escritores diziam que poderiam surgir propriedades novas no decorrer da evolução, para preencher lacunas.
- A crítica de Lewis não era à evolução, mas no materialismo presente - deixam de ser conceitos para virar uma mitologia vaga.
- Progresso tecnológico nem sempre é progresso. Aliás, progresso significa movimento em uma direção desejada, e todos nós não desejamos as mesmas coisas para a humanidade.
Aquela Força Medonha
- Aqui, a história se passa na Terra, na cidade universitária (fictícia) de Edgestow.
- O conflito ocorre entre o INEC, um grupo que deseja implantar uma Nova Ordem Mundial, um governo feito por cientistas niilistas; e um grupo liderado por Ransom.
-
Nesse contexto, vemos a história de um casal de jovens intelectuais, Jane e Mark Studdock.
- Ela cursa o doutorado, tem sonhos premonitórios e se associa ao grupo de Ransom.
- Ele é sociólogo, professor da Universidade Bracton e se associa ao Inec.
Sinopse
Análise
- Inspirado no livro A Morte de Arthur e nas lendas dos Cavaleiros da Távola Redonda.
- Vários paralelos com o livro O Senhor do Mundo, de Robert Benson (1908).
- Fala sobre relativismo, ciência moderna e o casamento.
- Crítica forte ao cientificismo e à eugenia.
- Referências discretas ao Silmarilion.
- Não é um alerta sobre o futuro, mas uma avaliação sobre o presente.
- Pessoalmente, é um livro longo e que demora a engrenar. Muito descritivo.
Críticas
-
Lewis foi acusado de que:
- Sua ciência estava errada.
- Ele difamava cientistas.
- Sua opinião era que o planejamento científico só poderia levar ao inferno.
A crítica era ao cientificismo. Lewis respeitava a ciência, era amigo de vários cientistas, mas se preocupava com a amoralidade da ciência:
"a crença de que o objetivo moral final é a perpetuação das espécie, e de que ela deve ser perseguida mesmo que (…) nossa espécie tenha que ser despojada de todas as coisas que nós valorizamos – a piedade, a alegria, e a liberdade."
Alcance e influências
- Recebeu elogios de J. R. R. Tolkien, Madeleine L'Engle, T. S. Eliot e George Orwell.
- Weston foi inspirado em cientistas reais.
- Influenciado por Uma Viagem para Arcturus, de David Lindsay, além de H. G. Wells.
- Influenciou autores: Stephen King, Neil Gaiman (Sandman, Deuses Americanos, Belas Maldições), Marcos Rey (Coleção Vaga-lume - Brasil), entre outros.
- Músicos fizeram referências, como Iron Maiden, Glass Hammer,Circle of Dust, King's X, Silent Planet, etc.
Visões
-
Visão pessimista a respeito da humanidade.
- Dicotomia entre grandiosas descrições geográficas e o que era visto naquele momento histórico: Destruição. Todas as imagens da infância foram desfeitas na realidade da guerra.
- O primeiro livro de Jules Verne (Paris no século XX) foi escrito em 1863 e somente lançado em 1993! Era muito pessimista.
- H. G. Wells tornou-se mais pessimista após a 1a Guerra Mundial.
- Aldous Huxley, em Admirável Mundo Novo (1932) está desencantado com a sociedade e quer mudar tudo, para uma sociedade confortável, livre de dor e de vontades, mas sem liberdade, criatividade ou beleza.
-
Visão neutra da tecnologia.
- Preocupação com o fim que a tecnologia poderia ter.
Conclusões
- Todos os livros trazem uma mensagem de esperança.
- Abandone-se por completo (como Ransom em Perelandra) e permita que a graça de Deus atue quando aparentemente não há mais esperança.
- Ao não colocar sua esperança em Deus, podem acabar colocando-a em alguma ideologia, o que é perigoso: A partir dessa ótica, tudo é permitido.
- A mensagem é de esperança. Esperança da Redenção do homem, em Jesus Cristo (Maleldil), Autor e Consumador da nossa fé.
Fim.
(Chega, né?)
ricardojpinheiro@gmail.com
"Ficção científica em uma perspectiva cristã: a Trilogia Cósmica de C.S.Lewis".
By Ricardo Jurczyk Pinheiro
"Ficção científica em uma perspectiva cristã: a Trilogia Cósmica de C.S.Lewis".
Palestra proferida no dia 18/06/2020.
- 202